A arte na pré-história e as primeiras formas de comunicação
Uma das primeiras formas que o ser humano encontrou para deixar seus vestígios
foi a pintura. A
arte rupestre consistiu na maneira utilizada
para se ilustrar sonhos e cenas do cotidiano. Símbolos da vida, da morte,
de céu e da terra foram encontrados nas paredes cálidas das cavernas.
A aguda sensibilidade do homem (sentimento de suma importância para o desenvolvimento
da arquitetura e escultura), levou-o a pintar. Muitos dizem que os antigos
pintavam por fome, teorias mais recentes asseguram que o faziam por uma "predeterminação
sexual". É sabido que a tela primordial em que nossos parentes longínquos
plasmaram suas idéias pictórica foi a rocha pura. As cores deviam ser aplicadas
com aglutinantes para assegurar a aderência. Das cavernas francocantrábicas
(Altamira, Lascaux - imagem a esquerda) às levantinas (Cogul) resulta uma
evidente transição técnico-estilística: do realismo estático ao dinâmico,
primeiro, e depois à uma acentuada estilização. A temática é comum: animais
e cenas de caça e dança, as primeiras; homens e cenas várias, as segundas.
Um grande acervo de
arte rupestre na América Latina é La
Cueva de Las Manos, na Argentina. Nesta caverna encontram-se centenas de gravações
de mãos além de ricas gravuras multicoloridas. Já no Brasil, temos a Serra
da Capivara, no Piauí. Lá os primeiros habitantes das Américas trataram de
deixar seus vestígios na rocha.
É uma verdadeira galeria de
arte rupestre que se confunde
com a beleza natural das cavernas locais. Observando a pintura, podemos notar
cenas que ilustram a vida pré-histórica, caçadas, ritos religiosos, sexo,
enfim...
A natureza do registro rupestre
Considerações extraídas do trabalho de pesquisa (A questão da teoria semiótica
da interpretação da
arte rupestre) executado por Carlos Xavier
de Azevedo Netto, pesquisador do Instituto Superior de Cultura Brasileira
(ISCB) e professor da UNESA.
O registro rupestre é uma das facetas com que o arqueólogo se depara no
decorrer de suas atividades, sendo aquela que implica em maior subjetividade
nas diferentes tentativas de análise e interpretação deste fenômeno. O que
o debate sobre
arte rupestre parece deixar claro é a nova
visão que se tem sobre estas manifestações, não mais como um fenômeno específico
e isolado dos demais componentes do registro arqueológico, mas sim como um
integrante, importante, desse mesmo registro. Além disso parece começar a
surgir um consenso de que estas manifestações estão imbuídas de uma intenção,
e esta intenção é de comunicação. Então a
arte rupestre é
uma manifestação comunicativa.
Mas atualmente, embora mantida pela tradição, a própria expressão "
arte
rupestre" vem sendo questionada, na medida em que muitos pesquisadores
acham que as manifestações rupestres estariam fora da esfera artística, e
mesmo se pertencer a esta esfera estaria fora de qualquer análise científica.
Este posicionamento denota uma certa confusão quanto ao caráter de comunicabilidade
que este fenômeno possui, já que há uma tendência de se ver a
arte
rupestre, enquanto comunicação, como uma forma de linguagem, passível
de ser analisada e compreendida pelo parâmetro da lingüística, o que leva
à um grande desvio quanto à natureza desse registro do passado, ainda apegado
à postulações de Leroi-Gourhan (1983/85).
Aceitando-se estas expressões como gráfico-icônicas, de cunho comunicativo,
não se pode deixar de notar, que as mesmas não estão ordenadas, organizadas
ou mesmo pensadas, como uma linguagem estruturada, e até uma pré-linguagem.
Estas expressões não estão inscritas no mesmo universo das línguas, mas são
compostas por arranjos completamente diferentes daqueles que encontra-se nas
diversas formas lingüísticas em qualquer tempo. (...)
Então a
arte rupestre seria uma criação artística, não
relacionada com o conceito, ou conceitos, que se tem da
arte ocidental.
Estas formas estéticas teriam como caráter fundamental exprimir alguma forma
de comunicação, sendo que o repertório, definido por Coelho Netto (1989:123),
e de acordo com a teoria exposta por Bense (1975), dos grupos que produziriam
esta
arte seria mais limitado do que aquele que as culturas
mais modernas possuiriam, já que para haver este potencial de comunicabilidade,
a forma de expressão desse indivíduo, em particular, teria que ser estendida
pelos demais membros de seu grupo, admitindo-se que a produção e o entendimento
dos signos que compõe os painéis, pode, por vezes, apresentar algumas modificações,
derivadas ora da interpretação de seu executor, ora da própria dinâmica cultural
do grupo a que pertence. (...)
Por fim, observa-se que a natureza do fenômeno
arte rupestre,
é em si mesma, a natureza de uma expressão artística, independente do conhecimento,
ou não, do significado ou intenção, deste ato criativo. Caso seja necessário
uma maior especificidade na conceituação do caráter de
arte
deste tipo de manifestação, pode-se entendê-la a partir do conceito de arte
étnica, definido por Ribeiro (1986), no qual estabelece um diferenciação entre
o que seria e esfera estética e a esfera funcional da cultura material, e
como estes elementos estéticos estariam arranjados e compreendidos dentro
de suas comunidades.
Então a
arte rupestre seria uma expressão estética de grupos
pré-históricos, os quais produziram e manipularam um conjunto de signos, formando
um repertório, que seria entendido pelo restante do grupo. Isto não quer fazer
crer no esquecimento da esfera individual na criação artística, mas esta mesma
criação estaria contida dentro do repertório de signos disponíveis para tal
veículo de expressão, fato, aliás, que ocorre em vários outros contextos artísticos.
Este conjunto de colocações vai fornecer uma compreensão do conceito de
arte a ser aplicado às manifestações rupestres, com as noções
de modelo reduzido e repertório fundindo-se. E passando a entender a
arte
rupestre como um modelo reduzido, com um repertório específico e
comum à cultura produtora, afirmando assim o caráter comunicante deste sistema
simbólico, que atenderia os parâmetros estéticos e simbólicos de determinada
cultura. Então, a
arte rupestre seria aquele conjunto de
expressões estético-simbólicas, inseridas em determinada cultura, que a reconhecia.
Fonte: www.itaucultural.org.br